Quando a referência deixa de inspirar e começa a aprisionar

imagem comparando A com B

Tenho pensado bastante sobre algo que, às vezes, eu nem sei se é comparação, se é autocobrança, ou só aquela busca inquieta por fazer algo que soe “perfeito”.

Eu trabalho com produção musical e mixagem/masterização, e é muito comum, durante o processo, eu me pegar tentando equiparar o som da música com grandes referências — especialmente músicas americanas, com aquele som cheio, potente, bem finalizado. A verdade é que eu tenho várias referências que admiro. Mas percebo que, em vez de apenas me inspirar nelas, às vezes eu me cobro para chegar exatamente no mesmo resultado.

O volume precisa ser igual, o peso, a energia… tudo tem que bater. Mas será que tem mesmo?

Comecei a questionar isso. No dia, eu estava finalizando uma música — já na etapa de master — e, por mais que eu tentasse, ela não passava de -10 LUFS. Eu queria mais volume, mais massa, aquela sensação de impacto que escuto nas faixas gringas.

Mas, em determinado momento, me perguntei: por que eu preciso ser igual à minha referência? Por que minha música precisa ter o mesmo volume, a mesma sensação, o mesmo impacto de outra que nasceu em outro lugar, com outro equipamento, outro engenheiro de som, em outro momento?

A referência, que antes me inspirava, começou a virar uma cobrança silenciosa. Um molde no qual eu tentava me encaixar. E aí, outra pergunta veio com força: quando é que a gente para de se inspirar e começa a se aprisionar?

A linha tênue entre referência e comparação

Referência é ponto de direção. Ela amplia o olhar, nos dá repertório, nos desafia. Mas quando vira uma medida fixa, começa a nos distanciar de nós mesmos. E aí não é mais referência — é comparação.

O problema é que essa comparação costuma ser injusta. Porque ela ignora todo o contexto: o estúdio, os equipamentos, o orçamento, a equipe, o estilo musical, o tempo disponível, o histórico emocional daquela gravação. Cada faixa nasce de um universo próprio. E tentar alcançar um resultado idêntico, com realidades tão diferentes, é o mesmo que correr uma maratona calçando sapatos que não são do seu número.

E, mais do que isso: às vezes, é uma forma de negar o nosso próprio som. Nossa identidade.

Excelência não é cópia

Querer fazer algo com excelência é louvável. Mas quando essa busca vira uma cobrança cega, perdemos o prazer de criar. A referência, nesse ponto, deixa de ser trampolim e vira corrente.

A verdade é que nem toda master precisa atingir -10 LUFS. Nem toda track precisa soar idêntica àquela faixa do produtor tal. E tudo bem. Porque potência não está só no volume, e sim na intenção, na entrega, na sensibilidade. E isso, ninguém pode replicar — porque só você tem.

O som que carrega a sua verdade

Em algum momento, a gente precisa fazer as pazes com o próprio som. Com o que conseguimos entregar hoje, com as ferramentas e histórias que temos agora. Não é conformismo — é maturidade. É saber que a jornada da qualidade também envolve aceitar o processo.

Talvez a sua música não vá soar como aquela track de referência. Talvez nunca soe. Mas ela pode carregar algo ainda mais precioso: verdade. E isso é o que faz alguém parar pra ouvir de verdade.

Pra fechar

Ter referências é essencial. Mas ser refém delas… é perder a própria voz.
Que a gente continue aprendendo com quem admiramos, mas sem esquecer:
nosso som não precisa ser igual ao dos outros pra ser bom.

Ele só precisa ser nosso!

Comentários

16 respostas para “Quando a referência deixa de inspirar e começa a aprisionar”

  1. Avatar de Julio Monteiro
    Julio Monteiro

    Maninho, que reflexão top

    A linha entre se inspirar e se cobrar é realmente muito tênue e quando a gente percebe que está tentando se encaixar num molde que não é nosso, já deixou de ser inspiração há muito tempo.

    Achei muito sábio quando você falou que excelência não é cópia. Tem muita força nisso.
    A gente esquece que o nosso som também tem valor justamente porque carrega a nossa história, nossas limitações, e principalmente, a nossa verdade, pelo menos deveria ao meu ver, kkkkk

    Obrigado por compartilhar isso de forma tão honesta. É o tipo de texto que faz a gente respirar fundo e lembrar por que a musica nos envolve bicho.

    Vc é o cara do violão papai.

    TMJ.

    1. Avatar de adhenrique

      Obrigado pela visita, maninho.

      Fico feliz demais que essa reflexão tenha feito sentido pra vc tbm.
      Essa linha entre se inspirar e se cobrar é bem fina mesmo — e lembrar que excelência não é cópia tem me libertado aos poucos.
      Tamo junto demais!

  2. Avatar de Dan Godoy
    Dan Godoy

    “A guerra dos LUFS.”

    Também me questionei muito por anos sobre isso mano. Mas como você mesmo disse, “REFERÊNCIA” e referência é referência, referência é uma “cópia” daquilo que nós inspira ou que pedem.
    No meu caso, tive clientes que queriam que o trabalho fosse com referências, mas também tive clientes que me deixaram livre.
    Faria outro blog aqui comentando cada tópico do seu blog meu mano, que aliás está magnífico. Sou seu fã sempre!

    1. Avatar de adhenrique

      Obrigado pela visita, mano!

      E é isso mesmo… referência pode ser trampolim, mas quando vira prisão criativa, já perdeu o sentido.
      Massa saber que vc tbm passou por esses dilemas — e mais ainda ver que teve espaço pra criar livre às vezes. Isso muda tudo.

      Valeu demais pelas palavras, pela força e por acompanhar

      Tbm sou seu fã, bro!

  3. Avatar de Luis Paulo Duca
    Luis Paulo Duca

    Cara que reflexão legal, tanto para quem vive do mesmo segmento que você, mas também para outros.
    Parabéns meu brother com toda certeza acompanharei essa nova fase.

    1. Avatar de adhenrique

      Obrigado pela visita, mano!

      Pô, que massa saber que essa reflexão é ressoou além do som!
      Fico feliz demais com tua presença aqui, nessa nova fase — bora junto! 🙌

  4. Avatar de Magalha
    Magalha

    Cirúrgico, mano!
    Esse equilíbrio é necessário e extrapola a experiência da música para a vida.
    Ser livre é produzir a sua verdade com os recursos disponíveis agora! 🙌🔥

    Valeu demais pela reflexão!

    1. Avatar de adhenrique

      Mano, ler isso vindo de vc tem um peso especial.
      Vc captou exatamente o que eu queria expressar — essa liberdade de produzir a verdade com o que temos hoje é libertadora demais.

      Obrigado pela visita, papai!

  5. Avatar de Vinícius Moreira
    Vinícius Moreira

    Excelente reflexão, mano.

    Uma leitura libertadora, pra muito além da música, e ela em si, com potencial de ser uma referência para uma mudança de visão e comportamento perante o que fazemos e somos.

    Obrigado por compartilhar, e desejo muito sucesso e inspiração nessa nova fase.

    Abração.

    1. Avatar de adhenrique

      Poxa, mano… obrigado de verdade. Fico muito feliz que a leitura tenha tocado desse jeito.
      Se esse texto ajudar alguém a enxergar diferente, já valeu tudo.

      Obrigado pelas palavras e pelo incentivo nessa nova fase. Tamo junto!

  6. Avatar de Hosanah
    Hosanah

    Colocação perfeita amor e muito necessária! Conseguiu nomear e colocar em palavras o que muitos não conseguem. Muito bom ♡

    1. Avatar de adhenrique

      Obrigado, amore.

      Fico feliz que tenha feito sentido pra vc tbm.
      É bom saber que consegui traduzir algo que, às vezes, fica só no sentimento.

  7. Avatar de Marcos Figueiredo
    Marcos Figueiredo

    Gostei demais da reflexão man, muitas vezes a gente se torna escravos da obsessão, falo isso porque por muitas vezes me cobrei estar parecido com uma referência ao invés de mostrar minha essência.

    1. Avatar de adhenrique

      Mano, total! A obsessão por parecer com a referência pode prender a gente num lugar que não tem nada a ver com quem somos.
      Se reconhecer nisso já é um passo enorme — e nossa essência merece espaço.

      Valeu demais por sua visita, mano!

  8. Avatar de Tairine Costa
    Tairine Costa

    Caramba que reflexão e me fez lembrar de quando eu tinha uma referência numa empresa e acabou se transformando em algo negativo ao ponto de eu me enxergar, de ver a profissional que sou, por querendo tanto ser “parecida” com a pessoa que eu tanto admirava, ela era tão boa, tão inteligente e continua sendo, eu que transformei algo bom, em algo ruim. Mas num belo dia tive aquele famoso “acorda pra vida” aquele “estalo” e percebi que tenho que ser vista e lembrada por algo 100% meu, pelo meu profissionalismo, MEU.

    E hoje eu consigo ser lembrada pela boa profissional que fui e sou, sem me perder, crescendo, aprendendo e ensinado de um jeitinho só meu.

    1. Avatar de adhenrique

      Caramba, Tai… que relato forte e verdadeiro.
      É muito potente quando a gente percebe que a admiração virou comparação — e ainda mais bonito quando a gente consegue dar a volta e reencontrar o próprio caminho.

      Seu depoimento soma muito à reflexão. Obrigado por compartilhar isso com tanta verdade.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *